quinta-feira, 16 de julho de 2009

A Flor de Fogo e o Mar

- Quer dizer que o senhor foi reprovado? Como assim?
- Sim criança... eu não estava com o espírito preparado para aquela seleção, e, assim, fui derrotado.
- Mas... como o senhor foi aprovado então?
- Tudo começou com um naufrágio...

A praia tinha as areias mais brancas que já havia visto, e, ao leste, como que emergindo da areia, uma grande pedra, da largura de uns quatro homens, e da altura de uns dois. Sua base cheia de cracas e musgos. Eu estava sentado sobre essa pedra. Desde que a descobrira, duas semanas depois da seleção onde eu tinha sido reprovado, passava horas e mais horas contemplando o mar. Aprendi a amar o ir e vir das ondas, e fechava meus olhos, sentindo a brisa leve de maresia no rosto. Enquanto observava, meu coração viajava em pensamentos intrincados. Como eu deveria treinar, como deveria proceder.

Foi quando avistei o Fortuna.

Uma grande fragata era arrastada pelas águas além da barreira de corais. Seus mastros estavam quebrados e suas velas rotas. Seus cordames partidos, e o vento fazia o pano se agitar tal qual os cabelos de uma mulher. A nau se aproximou da barreira e os corais abriram buracos em seu casco. Me levantei. Pude ouvir uma sirene ser tocada à bordo, e um barco de madeira com uns seis tripulantes tocou a superfície da água. Os homens remavam com força e acreditei que se salvariam. Foi quando estremeci. Uma mulher de cabelos vermelhos estava se afogando, e os tripulantes a ignoraram. Remavam pra longe, e ela se agitava, sua cabeça submergia por segundos, e retornava a emergir.

Tirei minhas botas e comecei a nadar. Precisava ajudá-la de algum jeito. Eu não era muito bom nadador, mas momentos de desespero acabam resultando em medidas desesperadas. Consegui chegar até ela, guindando-a com um dos braços, e comecei a nadar de volta para a areia. Por duas vezes no trajeto engoli muita água e pensei que iria morrer. Feri minha perna direita nos corais, mas consegui chegar com a menina de cabelos ruivos até a areia. Vomitei. Olhei para o mar e vi o barco de madeira quebrando-se contra os corais. Nunca soube se aqueles seis homens se salvaram.

A menina estava bem. Abalada, mas bem. Ficou chocada com a quantidade de sangue que saía do corte em minha perna, e, para falar a verdade, isso também me preocupava. Usei minha camisa para estancar o sangramento, e a levei até a estalagem que meu amigo bardo tinha conseguido para nós. Era um quarto pequeno, onde já nos apertávamos meu amigo e eu. A menina tomou um banho e foi para o quarto. Após me banhar, entrei no quarto e a vi, sentada em minha cama. Chorava. Seus cabelos caíam por sobre seu rosto, e a camisa que eu lhe emprestara ficara grande como um vestido curto. Cobria suas coxas com meu cobertor.

E era linda.

Sentei-me ao seu lado. Sentia dor por causa dos pontos que o bardo havia feito para costurar a ferida em minha perna. Olhei-a longamente até conseguir falar.

- Fica calma menina... não chore... você perdeu gente querida naquele barco?

Ela me olhou, e pude ver raiva em seus olhos. Me disse que havia se livrado finalmente de pessoas que a maltratavam. Não lhe davam valor, fizeram com que ela, por várias vezes, tentasse acabar com sua própria vida. Mas agora o mar a havia libertado e eu a havia salvo. Seu olhar ficou tenro de repente, e eu corei.

- Qual seu nome meu salvador – Sorriu – e o que você faz da vida?

Lhe disse meu nome, e disse que queria ser herói. Ela sorriu disso, um sorriso bonito e meio malicioso ao mesmo tempo, com um traço de pureza. Nunca encontrei alguém que sorrisse como ela nos meus anos seguintes.

- E qual seu nome menina?

- Lucille. Mas você pode me chamar de Lucy.

Naquele dia voltamos à praia, e os restos do Fortuna já chegavam na areia. Lucy buscou um grande pedaço de madeira. O melhor e mais grosso carvalho que já vira. Mandou que lhe ajudasse a recolhê-lo, e eu o fiz. Levamos aquele pedaço de volta pra estalagem e ela me disse que eu deveria fazer uma nova espada, já que lhe contara que minha antiga apodrecera. Por semanas talhei a madeira até o trabalho estar terminado. E quando eu terminei, ela usou minha faca para talhar diversas runas por toda a extensão da arma. Ficou linda, mas ela se recusou a me dizer o que os símbolos significavam.

Foram alguns dos melhores meses da minha vida, os que se seguiram. O bardo me levou a conhecer diversas mulheres, que me mostraram prazeres que eu só havia ouvido falar. Lucy tornou-se minha melhor amiga e, por várias noites, vimos o sol nascer, perdidos em conversas e risos. Arrumei muitas brigas pela cidade, minha espada estando sempre comigo. Ajudei as pessoas que precisavam em tudo o que eu pude, e, mesmo que não tenha feito nada grandioso, o sorriso que eu recebia em pagamento fazia com que eu ganhasse o dia. Fui aos festivais, teatros, feiras. Foi um ano muito bom.

Antes que eu pudesse sequer pensar sobre o novo processo de seleção para a Academia da Federação, ele já se fazia presente. Lucy me desejou boa sorte, e o bardo riu e disse que eu não precisaria.

Naquele ano eu fui o vigésimo sexto a ser aprovado. Em todas as lutas eu sorri. Dispensei o escudo e lutei apenas com minha espada. Em cada luta me lembrava dos risos, dos momentos bons, lembrei dos meus amigos e da luta contra os goblins, lembrei de como éramos crianças com sonhos.

Naquele ano aprendi que dedicação e esforço são muito importantes para alcançar um objetivo, mas se o espírito não sentir prazer na empreitada, ela será muito mais difícil de suportar. Naquele ano entendi que mais importante que saber é acreditar.

Naquele ano relembrei como sorrir frente às adversidades.

(Escrito ouvindo The Unforgiven - Metallica)

4 comentários:

Rodox disse...

Postado! Espero que gostem!

Marcio Henrique disse...

Muito bonito o conto e sem duvida vou esperar pelo proximo...

Rodox disse...

@ Lory - Hahahaha, vamos considerar uma promoção, rsrsrsrs. Obrigadaço pelo apoio!

o/

Danielle Ohana disse...

(atrasada...)

Aaaaaaaaaai, que Kawaiiiiiiiiiiii!
Digo... nossa, mas que bela história para ser contada!