Falaê, povo!
Completei o primeiro Ato de Rokugan e para aqueles que não tem muito tempo pra passar na net, como eu, resolvi publicar como um arquivo pdf!
Que emoção! Meu primeiro E-Book!!!
E, até que este blog evolua para um site, continuo preso ao 4Shared:
Rokugan Ato 01 - Escorpião
É bem tranquilo de fazer o download nesse servidor, o botão Download é bem chamativo, daí você espera alguns segundos e baixa, então.
Prometo que isso será remediado e passarei a ter Links Diretos para sua maior comodidade ;)
Abração pra todo mundo e, a seguir, no Ato 02, as Garças.
\o
PS.: Só pra lembrar, são sete atos ao todo =)
terça-feira, 22 de fevereiro de 2011
Rokugan - Escorpião Completo
quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011
Agregando Postagens
Falaê, meu povo!
Andei sumido, mas isso é apenas fruto de falta de frutos monetários!
Pra provar isso, seguem aí três trabalhos (não dá pra falar três contos dessa vez):
Strange e o Relógio
Praqueles que têm paciência pra ler contos grandes, finalmente meu investigador, Strange, participando ativamente de um conto =)
Rokugan - Escorpião
Pra quem joga RPG há um certo tempo, deve lembrar do cenário Rokugan =)
Essa é a primeira parte do primeiro conto de uma série de sete contos!
Um poema sobre Kantera
Mais uma forma de contar histórias sobre uma história jamais contada =D
Abraços no coração pra quem ler tudo =)
\o
Kantera - Poema
Do Tigre não possuo a imponência
Também nas montanhas não fiz residência.
Tive sorte e consegui sobreviver.
Até hoje e essa história
Poderei te fazer conhecer.
Pois as montanhas que citei
Não foram onde nosso heroi nasceu.
Ele, primogênito do rei,
Com o tempo
Teria um reino pra chamar de seu.
Diria que era um herdeiro imponente
Caso tal afirmação fosse pertinente.
Era óbvio a todos que olhassem
De perto ou longe sua seu semblante,
E suas asas constatassem.
“Uma aberração”, alguns exclamariam.
“História de e para bêbados”, outros diriam.
Porém, a confirmação deste boato
Só se deu após toda uma vila
Visse sua chegada do alto.
De onde vinha, não perguntaram.
Seus objetivos, ninguém questionou.
Apenas sua beleza,
Todos admiraram
E lamentaram quando voou.
Queriam saber de onde vinha
Para onde iria
O que desejava, o que procurava.
Mas isso só perceberam,
Quando somente a lembrança restava.
(Continua...)
Rokugan - Escorpião I
Um novo dia nasceu. O sol se infiltrou pelas pequenas entradas no teto.
Massashiro afastou o cabelo dos olhos, antes de levantar. Pensou sobre o que o esperava neste novo dia.
Protocolos de etiqueta extremamente entediantes. Exatamente como no dia anterior.
Hostilidade dos clãs irmãos. Como sempre.
Imaginou que estes não são pensamentos que atraem bons fluidos, mas não pôde evitá-los. Já estava cansado de tanta repetição, tanta tradição.
Tanto vazio.
Após levantar, tomar banho, comer e se vestir, já tinha parado de mentalizar esses pensamentos. Mas eles continuaram presentes.
Era apenas mais um dia, ele estava novamente preparado para ter todas as suas palavras estudadas pelos que ouviam. Eles pensariam sobre elas, refletiriam sobre seus significados ocultos, remoeriam mais uma vez para ter certeza.
Só então responderiam. E mesmo assim, não acreditariam no sentido literal das mesmas, nem nos segundos significados que teriam encontrado. Nem nos terceiros e quartos, em caso de maior criatividade.
Entristecia-o um pouco esse fato, mas não muito. Como seu pai já havia dito, Massashiro não nasceu ou foi criado para ser um sentimentalista.
Ele era prático, racional e calculista.
A fama de seu clã era algo que o irritava, mas era compreensível. Tantos séculos e incontáveis gerações de maquinações e segredos levaram a este estado de desconfiança constante com todos os membros dos outros clãs.
Mas era exagero dizer que foram incontáveis gerações; todas elas são devidamente registradas e estudadas.
E, claro, as maquinações nunca foram o problema. O problema sempre foram as mal executadas, consequentemente descobertas.
Ele compreendia isso. Sabia que eram necessárias. Não era esse o problema.
Soldados usam espadas, escritores se valem das penas, cozinheiros não existem sem panelas.
E os Escorpiões usam as pessoas.
(Continua...)
Strange - Relógio
Ele era apenas mais um estranho em terras estrangeiras. Dizia e demonstrava que adorava viajar.
Não havia sido criado para acreditar em superstições e coisas do tipo. Na verdade só veio a conhecer o termo “sobrenatural” na adolescência. E passou a ter um interesse superficial por isso. Mas voltemos a isso mais tarde.
Naquele inverno ele viajava pelas absurdamente frias terras da Europa Ocidental. A Velha Europa Ocidental. Com seus muitos vilarejos antigos, com costumes antigos e crenças ainda mais antigas.
Conseguiu uma ótima hospedagem, ainda mais se for incluso as histórias que ouviu do dono do albergue. Em sua totalidade, histórias sobre fantasmas e maldições.
Engraçado que, do momento que esse tema passou a permear seus pensamentos, ele parecia estar em todos os lugares.
E foi com uma dessas histórias em mente que ele desceu à parte abandonada do vilarejo.
Tudo começou com pesquisas na internet, é claro. Filtrando um pouco, ele conseguiu algumas informações um pouco mais “sérias” sobre ocultismo em geral.
Coisas simples como uma origem menos fantasiosa pra lenda dos lobisomens (que ainda incluía transformações, contudo), uma visão do paganismo sem a distorção do cristianismo, entre outras coisas.
E assim, com dados um pouco mais críveis, passou a buscar mais histórias assim. Sua motivação veio do fato que as fontes mais puras não tinham acesso à internet.
Ao se tornar um jovem adulto, passou a trabalhar pra possuir economias e viajar pelo mundo, em busca dessas histórias. Talvez para colocá-las na internet. Talvez não.
Com essa meta em mente, suas viagens sempre eram jornadas singulares, atravessando pontos não exatamente turísticos.
Vilas à margem de florestas mais velhas que as palavras que as nomeavam. Pequenas cidades cerceando lagos que perdem em profundidade apenas para seus próprios segredos.
E vilarejos isolados nas montanhas.
Tudo teria acontecido em uma pequena casa, antes apenas longe do vilarejo. Agora isolada tanto pela natureza quanto pelas intenções dos moradores.
O pequeno caminho que levava até ela estava coberta pela vegetação da montanha. Mas ainda era discernível.
Olhando para a casa, parecia não estar abandonada há tanto tempo.
Montando sua imagem sem o musgo pelas paredes, a árvore que parecia ter decidido que parte da parede e telhado estavam no melhor caminho para seus galhos e os telhados que haviam caído, a casa parecia bonita.
Pequena e rústica, mas bonita. Não deveria possuir mais de vinte metros quadrados, com grandes janelas, possíveis apenas para casas de tempos antigos em lugares remotos. A entrada da casa, que ele encarava no momento, recebia todo o sol nascente.
O viajante era corajoso, mas não havia motivo pra visitar um lugar com uma fama tão ruim à noite.
Aproximando-se da entrada, a absurda sensação de estar sendo observado fez sua nuca coçar.
“Um clássico de filmes de terror”, pensou.
Se apoiou no batente de madeira escura, sem porta alguma, e olhou para dentro. Parecia ser a cozinha da casa, que não chegava a ocupar nem metade da mesma. Era bem pequena, com um fogão à lenha no lado direito, uma mesa aparentemente muito pesada encostada na parede, ao lado do fogão.
Estranhou o fato de não ter uma pia, mas não se preocupou muito com isso. Estava mais preocupado com o que estava vendo no fundo da cozinha.
Obviamente, esse interesse pelo oculto não era compartilhado por nenhum de seus amigos, colegas, conhecidos, familiares ou clientes.
Não que ele tenha entrado nesse assunto com algum cliente.
Mas nenhum deles teria se interessado por um assunto maluco desses. Ele mesmo achava muito estranho todo esse interesse, mas ele continuava pesquisando e viajando.
Já tinha aceitado que, por ora, era uma jornada solitária.
Como ele buscava sempre referências, ditas “reais” sobre o oculto, passou a gostar também de assistir os filmes de terror, apenas para comparar as bizarrices destes com o que conhecia. Se admirava com a criatividade dos diretores de nunca largar um tema, por mais batido que pudesse ser.
E com esse hábito, passou a perceber alguns padrões. Como a garota sozinha no escuro pedindo para o engraçadinho do grupo parar de brincadeira (normalmente seguido de um decapitação), ou alguém que sofreu alguma coisa na mão de uma aparição e é acusado de autoflagelação (comumente seguido da morte do acusador).
E, claro, o já clássico corredor escuro.
Com um vulto no final.
Ali, naquele momento, ele sentiu o que só havia lido até então. A incapacidade de correr.
Só conseguia olhar para o vulto e ter a certeza que o vulto também olhava pra ele.
Queria correr. Queria perguntar quem era. Queria lembrar do que havia ouvido na noite anterior.
O dono do albergue lhe contou que há muitos muitos anos, antes mesmo do bisavô de sua avó ter nascido, naquela casa havia morado o responsável pela caça do vilarejo, na época com bem menos moradores.
Ele possuía uma filha. Apenas a filha. Sua esposa havia morrido pela peste, ainda um resquício do passado de sua terra natal.
Quando o caçador saía para cumprir suas obrigações, sua filha ficava em casa, cuidando para que a caça anterior estivesse pronta quando o dono do armazém viesse buscar. Cuidava também para que houvesse água fervendo para recomeçar o processo com o que seu pai trouxesse.
A casa era afastada do resto do vilarejo oficialmente apenas por causa do cheiro dos animais mortos; não-oficialmente ninguém gostava do caçador.
Um dia, voltando com dois coelhos no ombro, ele estranhou a ausência do já esperado barulho da água fervendo. Conseguia escutar a lenha crepitando no fogão, mas nada da água. Também não ouvia sua filha trabalhando na casa.
Pensou, com tristeza, que sua filha adolescente, já estava se interessando mais por outros adolescentes do que por seu ofício. Não conseguia se irritar, mas achava que ela, pelo menos, poderia ter terminado o que fazia.
Ainda pensava na infância dela quando entrou na casa e a viu no chão.
Em sua loucura, conseguia entender que ela tivesse sido estuprada e morta. Não conseguia absorver, contudo, que mente diabólica poderia ter tido o impulso de queimá-la com a água fervente.
Estava em um estado tal, que não conseguiu perder o controle. Sua mente gritava e se despedaçava, mas seu corpo se virou pra fora. Sua sanidade havia partido para o abismo, mas seus olhos procuravam. Seu cérebro reverteu a um estado primitivo, e seus instintos encontraram.
Quem quer que tenha estado ali, não vinha do vilarejo. Os monstros tinham vindo e voltado pela estrada que subia até lá.
Agora ele olhava com mais calma. Não exatamente mais calmo, mas havia respirado um pouco.
Olhando bem, não havia vulto algum. Tanto sua vista tinha acostumado um pouco mais com o interior da casa quanto o sol tinha ficado mais forte.
Olhou as horas no seu relógio. Ainda eram sete e vinte e sete. Ele tinha tempo de sobra para entrar e sair com luz.
Passou pela cozinha, onde supostamente o caçador tinha encontrado sua filha, torturada e violada. Esperava ver uma sombra impressa no chão, mas nada havia.
O corredor era curto e apertado. Ele ficava bem à esquerda da casa. No meio do caminho entre a cozinha e o resto da casa, existia um batente sem porta, que levava a um depósito de ferramentas, hoje vazio.
Estranhou também que na casa não havia banheiro, antes de se lembrar que ela era muito antiga.
Ainda pensava nisso quando sentiu não só que estava sendo observado, mas observado muito de perto.
Virou rápido pra trás, já sentindo o grito preso na garganta.
Não havia nada.
Lembrou novamente dos clichês dos filmes que assistiu, onde agora viraria de novo pra frente e se veria a dois centímetros de alguma aparição realmente medonha.
Ele sabia que era ridículo estar assustado com isso, mas por um momento não conseguiu virar de volta.
Respirou fundo e então se virou para o final do corredor, onde havia visto o vulto.
Continuava vazio.
Suspirando de alívio, continuou caminhando até lá. Pelo que esperava, haveria uma divisão entre uma sala e quartos.
Mas constatou que só havia um quarto. E, estranhou, no resto da casa sempre havia algum sinal de deterioração pela floresta.
Mas não ali. Até mesmo a janela continuava fechada, completamente inteira. E não haviam nem restos das possíveis camas que ali teriam existido.
Caminhou até a janela, pensando em abri-la, sem reparar onde pisava.
No meio da sala, ele começou a involuntariamente lembrar mais um pouco da história da casa, mas também parecia estar assistindo ela acontecer.
O caçador achou que não conseguiria encontrar os assassinos de sua filha. Na verdade, teve medo de não encontrá-los.
Então decidiu procurar outra forma de se vingar.
Algum tempo depois, os moradores do vilarejo começaram a perceber as pessoas desaparecidas. Queriam perguntar para o único que talvez conseguisse encontrá-las na floresta, mas ele havia perdido a filha ainda há pouco tempo.
E, claro, ninguém gostava dele.
Mais tempo passou e mais pessoas desapareceram. Resolveram procurar o caçador, então.
Aproximaram-se da casa, sentindo ainda os resquícios dos odores animais, mas não tão forte quanto normalmente eram. A casa estava escura, mesmo que ainda fosse o meio da tarde.
Chamaram à porta. Como não receberam resposta, entraram. Passaram pela cozinha, com seu chão limpo. Perceberam que o fogão não era usado já há algum tempo.
Seguiram pelo corredor. Viram as afiadas ferramentas do caçador. Tesouras nas paredes do pequeno depósito. Facas de diversos tamanhos penduradas.
Chegaram ao fim do corredor e então viram.
Formando um círculo no centro do quarto, cada um dos moradores reconheceu um ente querido. Mas eles estavam estranhos, como que sem uma mente para domar seus atos. Estavam apenas lá, sentados em círculo, virados para o centro.
E o mais estranho eram suas aparências. Suas peles pareciam ser madeira que havia pegado fogo e recentemente molhadas. Enegrecidas, não naturais, mas ainda de alguma forma orgânicas.
A escuridão imperava na sala, portanto foi difícil, em um primeiro momento, ver o que estava no centro do círculo. Lá estavam três homens, em pé, aparentemente normais, de costas um para o outro, muito assustados.
Quando um deles se aproximou da borda do círculo humano, finalmente os queimados esboçaram reação.
Todos eles se aproximaram dos homens, apertando o círculo. Ajoelhados, seguraram as pernas dos homens.
Oculto pela escuridão, ninguém o viu, até que do fundo do quarto, veio andando o caçador, de cabeça baixa. Chegou perto do círculo e segurou o lado da cabeça de um dos homens.
“Pudera eu ter o poder de fazer vocês sofrerem tanto quanto meu coração anseia”, ele disse. “Mas não caberá a mim essa função.”
Só então os moradores perceberam que os olhos do caçador estavam brilhando com um amarelo doentio.
Confuso se havia sido uma alucinação ou apenas uma lembrança muito vívida, o viajante sacudiu a cabeça.
Olhando ao redor, viu sombras nas paredes, como se houvessem pessoas reunidas em torno de uma fogueira no centro da sala.
Já tinha desistido de abrir a janela e estava se virando pra voltar quando sentiu novamente olhos sobre si.
Mas dessa vez estava muito mais forte. Ele conseguia sentir os observadores logo nas suas costas. Essa sensação crescia sobre seus ombros, como alguém com as mãos quase o tocando.
Quando deu um passo à frente, a sensação de quase toque sumiu. Mas voltou logo em seguida, já que ele não havia andado mais.
E dessa vez, as mãos pareciam crescer mais e mais sobre ele, como que se fechando em volta de seu pescoço. Completamente assustado, ele andou mais e andou mais rápido, na direção da saída da casa.
No corredor, pelo canto dos olhos, captou o brilho de metais no depósito, mas continuou correndo.
Passando correndo pela cozinha, pensou ter visto um corpo ensanguentado e fumegante no canto, mas ainda assim continuou correndo.
O caçador havia feito um pacto, disse o dono do albergue. Sua alma pelo sofrimento eterno dos assassinos. Mas uma alma era pouco pelo que ele pedia, havia dito a entidade. Ele precisaria de mais almas.
E, cego pelo desejo da vingança, ele buscou no vilarejo por sacrifícios. Inocentes encontraram a morte nos rituais que realizou dentro de sua casa. A entidade havia conseguido enganar completamente o caçador.
Ela chegou a ludibriar os assassinos a voltar à casa, mas era um preço pequeno pelas almas que havia conseguido. E essas almas agora estariam para sempre presas nestas formas, sempre buscando nos arredores por mais almas, procurando quitar sua dívida não existente com a entidade.
Elas também foram iludidas pela entidade, conseguindo cada vez mais almas e mais poder para si.
Guardavam um pouco de suas consciências, porém, pois nunca condenavam almas dos moradores de seu vilarejo.
O viajante correu, na esperança de conseguir chegar à luz do sol. O dono do albergue havia lhe dito, também, que os condenados evitavam ser tocados por qualquer fonte de luz.
Dessa forma ele ficou aliviado quando chegou ao lado de fora. Tão aliviado que, em um primeiro momento, não reparou.
Não percebeu que era noite.
Quando finalmente viu que era noite, correu. Correu muito.
Mas o dono do albergue vendeu as coisas dele pro próximo viajante que esteve lá.
Menos o relógio que ele costumava usar.
O relógio quem comprou fui eu.
Porque eu também sou um estranho. Strange, na verdade. Tom Strange. E eu sigo pelo mundo ainda mais obsessivamente que o viajante dessa história.
Com a diferença que eu busco resolver pendências como essas.
Com um pouco de sagacidade e pensamento rápido, consegui deixar aquele vilarejo em paz para novos viajantes, curiosos com sua história.
E eu trago este relógio para ter certeza de que não foi um sonho. Uma pena que eu não consigo desligar seu alarme.
Que sempre toca às sete e vinte e sete da noite.
sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011
Escuridão
Esse conto de hoje foi escrito após um dia e meio de bloqueio criativo. É uma sensação MUITO ruim estar com três (ha! três!) ideias pra conto, uma pra quadrinhos e não conseguir começar nenhum.
Então resolvi seguir o conselho dos mestres e, com uma única caixa dágua, matar três coelhos.
O conto a seguir foi uma experiência/rito de passagem/técnica de desbloqueio.
Experiência porque é um tema do qual eu nunca li nem vi nada similar.
Rito de passagem porque segundo H.P. Lovecraft e corroborado por Stephen King, é uma necessidade pra quem deseja trilhar o caminho do escritor (uuuhl, que bonito).
E técnica de desbloqueio também seguindo conselhos de Stephen King, eu simplesmente sentei e escrevi, sem pensar em nada antes.
Tô postando caso alguém se disponha a ler (ficou meio grande, desculpem), porque em tempos de twitter, mais de um parágrafo já é considerado gigante, então...
Bem, boa leitura!
-x-
Escuridão
Ele acordou e abriu os olhos.
Pelo menos ele achava que os tinha aberto. Tudo continuava tão escuro quanto antes de ele (talvez) abrir os olhos.
Tentou fechá-los e abri-los novamente. A escuridão continuava. Levantou seu braço para tocar nas pálpebras, mas seu braço bateu em alguma coisa sólida logo acima.
Ele tateou e parecia algo como uma caixa, logo acima dele.
Ele não lembrava de como tinha ido parar ali. Seria um mecânico debaixo de um carro?
Não, ele não era um mecânico. Era um músico. Estaria então embaixo de caixas de som? Como será que seu show terminou assim?
Ele forçou a memória. Estava tocando guitarra um pouco empolgado demais e então...
Não, ele queria ser um músico. Desde criança. Mas acabou se deixando levar pela vida. Tirava notas não tão altas. Nem se divertia tanto.
Bom, mas ele podia deixar para pensar sobre suas frustrações depois. Agora ele precisa sair debaixo dessa caixa. Tentou empurrar para cima. Ela não se moveu.
Em sua resolução de ano-novo, ele tinha jurado que iria entrar na academia. Não dessa vez.
Mas em que época do ano ele está?
Suas lembranças mais recentes são as palavras irritante e colorido.
Tinha uma banda irritante e colorida, não? Mas ele achava que não tinha relação com isso. Ainda ouvia as bandas da época de sua juventude e torcia o nariz pra qualquer novidade.
Mas bem, irritante e colorido.
Tinha certeza que teria magoado alguém se usasse essas palavras numa mesma sentença. Ou teria realmente magoado alguém?
De nada adiantava, ele não iria repensar suas frustrações agora.
Empurrou com mais força. A tampa nem se moveu.
Espera, “tampa”? Que tampa? Com o que ele estava associando essa situação?
Era só uma caixa que havia caído em cima dele, sabe-se lá junto com quantas outras e que, milagrosamente, não o havia esmagado. Só isso.
Tentou deslizar para baixo. A saída estava bloqueada por ali. Tudo bem. Pelos lados também. Assim como acima de sua cabeça.
Era realmente sortudo. Esse espaço em que ele estava parece ser o único realmente seguro.
O que é de estranhar. Ele não era especialmente sortudo.
Não foi assim que ele passou toda sua juventude esperando por um chamado para a aventura que nunca veio? Enquanto esperava, seus amigos, esses verdadeiramente sortudos, receberam seus chamados e viajaram, se apaixonaram, se divertiram e sumiram.
Mas não ele. Nada de bom para... para... como era seu nome mesmo?
Bem, ainda estava um pouco em choque. Dali a pouco seu nome viria à mente. Onde estava, antes de se interromper?
Ah, sim. Como nunca, nem mesmo durante a faculdade fez uma “loucura”. Não, ele era realmente centrado nos estudos.
Exceto que não era, não é? Nunca nem chegou perto de ser um dos primeiros da classe. Refez algumas matérias e uma vez, quase um período inteiro.
Mas isso é compreensível, afinal ele estava aproveitando sua juventude ao máximo. Não tinha como ter tempo para os estudos.
Exceto que ele não estava aproveitando nada. Para onde foi o tempo de sua juventude?
Ainda não é hora de ser melodramático.
É hora de empurrar com um pouco mais de força. E mesmo assim a tampa (ele deixou sua mente chamá-la assim dessa vez) não se movia.
Começou a tentar lembrar novamente do dia que se passou.
Irritante e colorido... Claro! O maldito mascote do maldito desenho que... que... bem, sua filha assistia! Ela tinha mesmo ficado magoada quando ele disse sua opinião sobre o desenho. Ele lembra de ter se estressado de forma extraordinária no escritório (não era mesmo músico, afinal) e, quando chegou em casa, perguntou onde ela via graça naquele dinossauro idiota.
Nossa, como os adultos conseguem tão facilmente esquecer de quando eram crianças?
De qualquer forma, sua esposa disse que seria uma boa ideia se ele trouxesse uma pelúcia para sua filha de aniversário.
Parecia uma boa ideia mesmo.
Era assim que ele havia levado adiante seu casamento durante tanto tempo, afinal. Sem diálogos. Parecia funcional.
A imagem de sua esposa entrou em sua mente. Também sem nome.
Ele realmente a amava. Haviam se conhecido... na faculdade? É, na faculdade. Oras, era pelo menos um pouco sortudo. Ela era realmente bonita.
O “era” do pensamento anterior o deprimiu um pouco. O tempo não era conhecido por ser piedoso quando só porque as pessoas pediam.
Eles passaram seus onze anos muito bem, sem grandes sobressaltos, nem pra baixo, nem pra cima. É um preço que se paga pela estabilidade ou coisa assim. Aqueles amigos de colégio nunca souberam o que é estabilidade. Sempre muito felizes para em seguida ficarem muito tristes.
Tantos clichês começam com corações partidos.
Mas ele sabia exatamente porque nunca havia sentido o coração se partir. Ele nunca havia se entregado totalmente a ninguém. E isso o deprimia mais do que as minúsculas marcas de expressão no rosto de sua esposa.
Dessa vez, ele relutou um pouco em afastar seus pensamentos. Pra onde havia seguido sua vida? O que ele podia compartilhar com o mundo, caso escrevesse um livro?
Repassando rapidamente, sua situação atual parecia ser a única digna de nota.
Pois bem, se fosse escrever um livro sobre esta situação, como faria? Começando pela sinopse:
…
Pra isso ele precisava, primeiro, descobrir o que era sua situação.
Fatos: estava em um lugar fechado, cercado seja lá pelo que for.
Este lugar era muito abafado.
Ele começava a formular uma teoria, mas era apenas influência dos contos que leu quando era mais jovem. Malditos Lovecraft e Stephen King.
Nesse sentido, também poderia amaldiçoar Spielberg, por nunca mais ter conseguido entrar no mar tranquilamente.
Ah, como ele odiava quando sua mente divagava sem rumo. Ou era uma tática pra tentar negar a hipótese que havia pensado? Ele nunca foi mesmo de divagar sobre nada.
Não conseguia mesmo. Quando lia uma história pra sua filha, não conseguia colocar sentimento algum, simplesmente lia, como um orador. Ou no discurso daquela presidenta eleita naquele país de terceiro mundo onde o Stallone ganhou um macaco.
Tudo bem, divagando de novo. Decidiu verbalizar mentalmente sua teoria.
Tinha sido enterrado vivo!
Pareceu até meio bobo falando em voz alta, apesar de ter apenas pensado.
Ele não podia ter sido enterrado vivo, para isso precisaria ter morrido, ou quase. Os médicos estudam muito mais e com muito mais afinco que ele para se formarem. Esse tipo de erro não acontece mais.
Poderia ter ficado mais tranquilo se não tivesse lembrado da enxurrada de erros médicos que figuraram nas manchetes de jornais nos últimos dias. Mas esses eram causados por auxiliares de enfermagem.
Oh, droga, e se o acidente tivesse sido tão feio que ele fosse atendido apenas por um auxiliar de enfermagem? Nem mesmo atendido, diagnosticado. Ou seja lá que termo é usado pra alguém que chega ao hospital apenas pra ser encaminhado pro seu velório.
Socou a tampa de seu caixão (já tinha aceitado esse fato) com força, esperando que ainda não tivesse sido enterrado.
Sete palmos de terra parecem o suficiente pra abafar os sons de um administrador fracote e frustrado pela vida. Parou de socar.
Por que ele voltaria, afinal? Quem sentiria sua falta?
Sua esposa? Sua filha? Sua não-amante-por-covardia-na-última-hora?
Teria sido realmente covardia? Apesar de não haverem picos de felicidade e satisfação no seu casamento, ele tinha afinal de contas recusado todos os convites para happy hour de seu trabalho (exceto o primeiro, tradição pra quem quer se enturmar) para voltar para o lado dela.
Ele tinha tido todos aqueles sonhos não concretizados, mas no fim de sua estável jornada, estava ao lado dela. Poderia dizer que havia valido a pena?
Achava que sim. Não, tinha certeza que sim. Sua esposa era realmente sua fonte de maior felicidade. Por que ele se enganava, falando que nunca se entregou totalmente?
Ele lembrava de quando a havia pedido em namoro. De como tremia quando tentou convencer a jovem aspirante a jornalista a sair da casa de seus pais e se aventurar com o recém-formado administrador. Lembrou com clareza de como sorria largamente quando a via usando o anel que havia comprado.
Sim, havia amado e sido amado com intensidade. Ele voltaria pra ela.
Sua filha gostava de desenhar. Na maioria das vezes aquele dinossauro idiota, que ele nem achava tão idiota assim. Só estava realmente estressado naquele dia.
Lembrou com perfeição quando sentiu seus chutes, ainda na barriga de sua esposa. De como seu choro parecia infinito nas noites de seus primeiros meses. De seus primeiros passos, de quando falou pela primeira vez (“Mamãpapá”, apesar do que diziam seus amigos, ele acreditava que ela não pedia comida, mas sim havia chamado os dois), do seu primeiro dia na creche e agora, há pouquíssimo tempo, de quando entrou no ônibus para a escola.
Ela tinha crescido tão rápido.
E ontem era seu aniversário. Foi. Ontem foi seu aniversário. E ele havia comprado sim, o dinossauro não tão idiota. E ela realmente havia ficado muito feliz.
O que o pouparia de pedir desculpas. Mas ele o fez assim mesmo. Acabou lembrando dos desenhos imbecis (estes sim) de sua própria infância. E como também não gostava quando eram criticados.
Ela gostou tanto que saiu correndo para a casa dos vizinhos, com um filho quase na idade dela. Parece uma daquelas histórias de comédias românticas americanas, onde os protagonistas se conhecem e são melhores amigos desde a infância.
Normalmente são vizinhos de lado. No seu caso, eles moravam na casa em frente.
Ah, as crianças, nunca ouvem os pais. Eles sempre diziam que ela devia escovar os dentes. Mas ela só passou a escovar todos os dias quando o bendito dinossauro assim o disse.
Pensou que antes disso, ele devia ensiná-la a olhar pros dois lados antes de atravessar.
Ele sempre achou clichê, mas realmente tudo acontece num borrão, de onde é difícil extrair as imagens com clareza.
Lembrava basicamente dos sons. Do grito de sua esposa. Seguido do grito de sua filha. Dos pneus cantando.
Antes da audição deixar o tato ter seu momento, ela o presenteou com o som de sua filha, empurrada por ele, caindo na grama do outro lado.
Ele pensou que talvez ela tenha ralado o joelho, enquanto rolava por cima do capô. Pensou que ela iria chorar um pouco agora e mais um pouco depois quando sua esposa passasse o remédio. Isso enquanto caía no asfalto, atrás do carro.
Mas ela não iria chorar muito. Não sua menina. Havia puxado a força do olhar de sua mãe. Os olhos dela, o nariz dele, era o que sempre diziam.
E com os olhos de sua esposa em sua mente, a escuridão chegou.
E agora estava ali, pensando que sua vida valeu muito a pena. Amava muito sua esposa e sua filha. Demais. Mas a teria conhecido de qualquer forma. Poderia ter aproveitado bem mais seu tempo.
Queria poder dizer isso à sua filha. Depois de tudo, de tanta racionalidade, havia começado a acreditar em almas gêmeas.
Queria dizer isso à sua esposa também.
Nem se importava tanto com sua situação atual. Não importava se alguém havia cometido um erro e agora ele estava ali, incapaz de dizer o que sentia às pessoas mais importantes de sua vida.
Ele pensou mais uma vez nos olhos de sua esposa e fechou os seus. Que talvez nem estivessem abertos, pra começar.
E agora ele via luz, apesar de ter certeza que seus olhos estavam fechados.
– E isso é tudo?
– Sim. Foi aí que acordei.
– Entendo...
– Me diga... você acredita em mim, senhor?
– Claro que acredito, mas você sabe que não há como provar, não é?
– Sim... E-eu só queria que alguém soubesse que... que...
– Não se preocupe, senhora, algumas pessoas saberão e algumas acreditarão. É isso que desejava?
– Sim, acho que seria isso que ele desejaria também... Sinto que era.
– Pois bem. Acho que vou andando, agora.
– Não quer mais um pouco de suco, senhor? Está tão abafado hoje...
– Não, obrigado mesmo, senhora. Mas eu preciso ir. E sinto muito pela sua perda.
– Ahn, obrigada. Mas... Desculpe, mas acho que não sou mais “senhora”.
– E eu ainda sou jovem demais para ser “senhor”, moça. Temos um acordo?
– Hehe, claro, me perdoe. Como devo chamá-lo?
– Pode me chamar de Tom. Tom Strange.